Bolívia | Sí, tenemos escalada en roca

Fotos/Vídeos: Bernardo Monteiro, Claudio Pereira, Claudney Neves, João Paulo, Marcia Shimamoto, Mônica Sakai

Continuando a trilogia do Natal, o Carnaval chegou e nossa viagem para a Bolívia se concretizou. Ficaríamos lá entre 12 a 17 de fevereiro (2010).

Quando se fala naquele país, alta montanha é o que vem à cabeça, ninguém vai pra lá escalar rocha. Acreditamos que deveria haver locais para isso em algum pedaço do território boliviano. Estávamos certos.

Claudio, Mônica e eu estávamos confirmados para a viagem. Convidei João, Bernardo e Márcia. Todos já tínhamos feito uma ou outra viagem juntos, Serra do Cipó, Ceará, São Francisco do Sul, Argentina… Já conhecia muito dos seus hábitos e manias. A Márcia viajaria pela primeira vez com a gente, depois de um “Bôra pra Bolívia” ela aceitou fácil. Gostei 🙂

Após a chegada do Frey começou, na prática, a fase de pesquisas para a Bolívia. Claudio comprou um guia de escalada editado em 1994. Como está esgotado, vou disponibilizar, clique aqui e baixe. Juntei informações de dois sites e organizei o Novíssimo Guia de Escalada em Rocha da Bolívia, para baixar basta clicar aqui. Durante a viagem somente utilizamos este último.

Nesse meio tempo organizamos o roteiro e como cada um iria. Para saídas do Rio, as passagens aéreas estavam cerca de R$ 500 mais caras. Assim, quem estava aqui iria para São Paulo e seguiria por lá. João sairia um dia antes e ficaria mais um. Foi de avião até a capital paulista. Bernardo e Márcia também seguiriam de avião um dia depois. Eu ainda estava no período de facilidades com a Gol, sairia direto do Rio e os encontraria em São Paulo, após a conexão. Claudio e Mônica já moram por lá.

De São Paulo voaríamos para Santa Cruz de la Sierra, passaríamos um dia por lá, tomaríamos um ônibus para La Paz – 15 h de viagem –, voltaríamos de avião para Santa Cruz e de lá para o Brasil. Gastaríamos em torno de R$ 140 a mais voltando de avião para Santa Cruz, mas assim escalaríamos mais um dia em La Paz. Trocamos quinze horas de ônibus por uma de avião.

Planejamento feito, acertamos detalhes. Claudio comprou logo as passagens de todos de La Paz para Santa Cruz – menos a do João, que ficaria em um período diferente –. Tentou primeiro pelo site da Aerosur, não conseguiu completar a compra. Mas pela Expedia foi fácil (127 dólares cada). João, que já estaria em Santa Cruz, compraria as passagens de ônibus para La Paz um dia antes, já que estas esgotam rápido (170 bolivianos cada).

Em Santa Cruz ficaríamos no Hostel Jodanga e em La Paz no Wild Rover (10 dólares a diária tanto em um quanto no outro). Ambos reservados através do Hostels Bookers. Que é um site bastante interessante, pois conta com qualificações feitas pelos hóspedes e dá uma idéia da qualidade do serviço e instalações de onde se deseja ficar.

Claudio entrou em contato com uma “empresa” de turismo de aventura em Santa Cruz. Só ficaríamos lá um dia e não queríamos perder tempo procurando as áreas de escalada, já que desta cidade conseguimos pouquíssima informação sobre isso. Esta “empresa” nos apresentaria os locais onde escalar em troca de 36 dólares de cada um dos seis. Mas vou deixar para contar a história completa mais à frente.

Uma coisa que aprendemos com essa viagem foi que qualquer economia na Bolívia pode ser sinônimo de perrengue e chateação. Tudo é muito precário. O ótimo pode ser apenas razoável. Um exemplo foi o ônibus, compramos o leito, com três fileiras de cadeiras. Era o melhor ônibus, da melhor empresa. Quebrou três vezes. Lá os preços são muito baixos, vale à pena investir no que há de melhor.

A moeda lá é o boliviano (Bs). Um dólar correspondia a sete bolivianos, menos no aeroporto, que estava à 6,09. Levei 300 dólares para todos os gastos durante a viagem. Sobrou dinheiro. Reais são facilmente trocados no aeroporto, mas o melhor é levar dólares. Você vai conseguir trocar até no meio da rua. Chegando em Santa Cruz trocamos poucos dólares no desembarque, onde a cotação sempre é muito ruim. Não encontramos casas de câmbio abertas nessa primeira cidade, nem em La Paz, era Carnaval. Trocar dinheiro com os cambistas na rua é tranquilo, mas sempre confirme o valor do câmbio e quanto isso vai significar. Não tivemos problemas com notas falsas. Mas a Márcia deu mole e perdeu 50 bolivianos porque não fez as contas na hora.

Um detalhe importante é que você terá dificuldade ou não conseguirá trocar notas de 100 dólares das séries CB DB B2 FF F. Evite levar essas notas. O motivo é que houve uma grande leva de falsificação dessas séries no Peru e foram colocadas na Bolívia.

12 Fev – Sexta-feira

Detalhes acertados, voamos. João no dia anterior. Márcia e Bernardo às 6 h da manhã para São Paulo, onde aguardariam até às 22 h para embarcar no outro vôo. Mas acertaram com Claudio e Mônica, foram para a casa dos dois passar o tempo. Embarquei aqui no Rio às 19h30 suando no forno carioca. Uma hora depois do previsto cheguei em São Paulo, encontrei Márcia e Bernardo, como mendigos, sentados no chão em frente ao portão de embarque, juntei-me a eles. O vôo ali também atrasaria. Claudio e Mônica são de outra classe social, estavam na sala vip de algum cartão de crédito.

Como o sistema de som não parava de chamar vôos para a Argentina e Uruguai, resolvemos comer alguma coisa. Fomos assaltados por pães de queijo, R$ 3,20 cada é um roubo! Ficamos mais pobres e fomos voltando para o portão de embarque. Olhei para o painel no corredor e o número do nosso vôo estava com um aviso de “última chamada” ao lado. Corremos. Ao chegarmos lá estavam nos chamando pelo nome. Só faltava nosso embarque para o avião decolar. A funcionária da Gol veio com aquela cara e voz de mãe que briga com o filho quando chega tarde em casa: “Onde vocês estavam? Estavam lá em cima ou lá embaixo? Fazendo o que???” Depois da bronca, entramos no avião. Encontramos Claudio e Mônica já acomodados. Decolamos. Desembarcamos em Santa Cruz de la Sierra. Trocamos poucos dólares para pagar o táxi (50 bolivianos) e fomos para o Hostel Jodanga. Chegamos lá por volta das 3 h da madrugada. João estava com uma turma de brasileiros temperada com algumas estrangeiras. Conversamos um pouco por ali e fomos para os quartos. O resto da noite foi curto. Um céu perfeito anunciava um sábado quente e com acontecimentos, no mínimo, além de nossa imaginação.

13 Fev – Sábado

Alguns pingos na piscina molharam a manhã, mas nada que preocupasse. Acordamos uma hora antes do previsto, ninguém prestou atenção no horário, o relógio da Márcia e todos os celulares foram acertados para menos. Foi melhor, tivemos mais tempo 🙂 Tomamos café, conhecemos o chá de coca e ficamos ali batendo papo com alguns brasileiros e uma inglesa. Foi quando chegou a figura de Marcelo, o “guia” da “empresa” com quem Claudio havia acertado. A criatura com um tampão de esparadrapo em um olho por baixo dos óculos entra no hostel, levando um atc pendurado em um mosquetão na cintura. Bernardo viu aquilo e comentou. Demos um crédito para o caolho e fomos ver até onde isso nos levaria. Subimos em um jipe onde cabiam três pessoas, éramos seis. Continuamos.

Marcelo disse que a área onde escalaríamos chamava-se Fantomas, a 60 Km de onde estávamos. Continuamos. Nosso amigo Marcelo parou para abastecer, comprar comida, água, refrigerantes… Continuamos. Pegamos a estrada mais pedagiada e ruim que já vi. Passamos por uns cinco pedágios, a poeira nos cobriu em muitos trechos. Em alguns pontos me senti passando pelo Rio das Pedras aqui no Rio. Levamos mais de duas horas para chegar. Desembarcamos na beira da estrada. Descemos um pequeno barranco e estávamos às margens de um rio barrento. Marcelo agilmente veste seu baudrier, com a parte de cima voltada para baixo, e atravessa o Rio para montar um top-rope na única via do lugar. Claudio foi com ele. Atravessei também e fui ver a rocha de perto. Bernardo e João me seguiram. As meninas ficaram na outra margem. Ao chegar na base, Bernardo mostra que sua unha quase tinha sido arrancada por uma pedra no fundo do rio. Ficou com medo de que a viagem de escalada tivesse terminado ali. Enquanto isso o destemido Marcelo montou a ancoragem em uma árvore com uma corda e jogou outra para baixo. Descendo, logo depois, com um facão e um bastão. O primeiro para limpar o mato da via. O segundo para eliminar uma infinidade de maribondos. Eu via aquela cena e só conseguia rir, de tão ridículo que aquilo tudo estava sendo. Claudio lá em cima balançava a cabeça de um lado para o outro.

Marcelo, o exterminador, chega ao solo, uma hora e meia depois, e diz que a via está pronta para subirmos. Olhamos aquilo e Claudio diz que a via não tem condições, ainda estava lotada de maribondos. Saímos dali e Marcelo, o audaz, nos leva para outra área. Já eram 13h30. Precisávamos estar no hostel antes das 17 h, nosso ônibus sairia às 19 h, levamos mais de duas horas para chegar até ali. Depois da papagaiada no primeiro setor, onde nossa diversão foi assistir Marcelo, o polivalente, limpar uma via, desistimos de escalar e resolvemos partir. Marcelo, o insistente, disse que poderíamos confiar nele, pois chegaríamos no hostel em uma hora. Não adiantou. Assim, Marcelo, o piloto de um olho só, nos leva de volta.

Isso é um achachairú

Trânsito exótico: olha onde tá a placa

Agora procurem os retrovisores

Graaaaaande Marcelo, limpando a via

Chegando ao hostel – duas horas depois – conversamos sobre a devolução do dinheiro, aceitamos bancar as despesas do deslocamento e queríamos o restante de volta. Marcelo, o picareta, bateu o pé e não quis devolver um boliviano sequer. Tentamos argumentar que pagamos por um serviço que não foi prestado, que ele tinha colocado a vida de uma das meninas, que é alérgica a maribondos, em risco, mas Marcelo, o teimoso, não queria conversa, os 216 dólares do grupo permaneceriam em seu bolso. Resolvemos chamar a polícia. A polícia não chegou. Aguardamos até 17h30, nada, a polícia não apareceu. A vontade de todos ali era arrancar o outro olho de Marcelo, o alvo. Até que em um momento, depois de falarmos sobre espancamento e destruição, disse que não poderíamos fazer nada com o carro. Lá fora, nesse momento estavam João, Bernardo e eu. Márcia estava saindo, falei pra entrar que cenas fortes aconteceriam em breve. Quando Marcelo, o que fala demais, disse que não podíamos fazer nada com o carro, pois ele chamaria a polícia, corri para próximo de uma lixeira e vi um cabo de vassoura e uma barra de ferro, catei a barra de ferro. Enquanto batia no para-brisa com a barra, perguntava a Marcelo, o agora calado, se ele chamaria mesmo a polícia, pois era realmente o que queríamos. Depois perguntei se eu fizesse isso, chibateando o farol do jipe, se Marcelo, o que acabou com minha paciência, chamaria a polícia, de verdade mesmo, verdadeira. Quando um pedaço do farol saltou no chão, Marcelo, o vingativo, correu na minha direção. Preparei a barra de ferro para consertar seu olho, mas João o impediu de se aproximar. Marcelo, que agora acreditava em destruição, sacou seu celular e falou com alguém que dizia ser da polícia, duvido até agora. Pena que a barra de ferro era oca, nem fez tanto estrago.

O nome da agência de Marcelo, o “guia”, é Champions. Neste vídeo você pode conhecer Marcelo, a estrela.
Quem puder marcar passeios com Marcelo, o pontual, por favor, façam. Basta enviar um e-mail para escapevertical@hotmail.com. Claro que não precisam aparecer para o passeio. Lembrem de não tocarem nos nossos nomes. Acho que Marcelo, o esperto, não atenderá alguém indicado por nós.

Estávamos no limite do horário para pegar o ônibus, chamamos dois táxis. Um chegou e João quis me retirar da cena do crime, embarquei com ele e Bernardo para a rodoviária. Claudio, Mônica e Márcia demoraram. Ficamos preocupados. João foi procurar dentro da rodoviária. Para nosso alívio, estavam lá. Comentários depois sobre o ocorrido, fomos fazer um lanche e pegar o ônibus. Diferente daqui, antes de entrar na plataforma, você deve pagar a taxa de embarque, separada da passagem. Se tiver algum volume para o bagageiro do ônibus deve ir à empresa e pedir o tíquete de bagagem. Tudo muito burocrático, mas necessário fazer para conseguir embarcar. Subimos e havia algumas bolivianas em nossas poltronas. Olha passagem aqui, olha passagem ali, estavam no ônibus errado, deviam embarcar no próximo.

No site Bus Bolívia você encontra os horários dos ônibus.

A partida atrasou uns 15 minutos, perguntamos ao João se ele tinha comprado passagens para um ônibus com sauna, tava brabo. Por volta das 19h15 a viagem começou. Nosso transporte possuía apenas três colunas de poltronas, todas leito. Era razoavelmente confortável. A noite foi se aproximando da manhã e apenas algumas pessoas perceberam em seu sono que o ônibus quebrou duas vezes durante a madrugada.

O que sobrou do dedo do Bernardo

Ownnn! Essa tava no ônibus

14 Fev – Domingo

Estávamos saindo de 400 m de altitude para quase 4000. Pela manhã os males relativos a essa mudança começaram a surgir. Teve gente se sentindo enjoada, gente com dificuldade de respirar e gente com dores de cabeça. Eu estava nesse último grupo.

O ônibus quebra mais uma vez. Parecia mais grave. Ficamos parados por um bom tempo, até que o motorista avisa que chamariam outro, pois aquele estava difícil de consertar. Aguardamos um pouco, enquanto os mecânicos insistiam em tentar consertar o tal do turbo. Conseguiram. Partimos. Passamos por El Alto, 4100 m de altitude, e descemos para La Paz. Pegamos um táxi (15 Bs) até o Hostel Wild Rover e almoçamos por lá mesmo (18 Bs), menos a Márcia, que ficou no quarto, ainda passando mal. Minha dor de cabeça não passava, mas melhorou com a comida. Descemos, resgatamos a menina, ela almoçou e fomos trocar nossos dólares. Tudo estava fechado, era domingo de carnaval.

Ao sairmos do hostel descobrimos uma tradição deles. Os miseráveis enchem armas de água, bexigas e spray de espuma para jogar nos turistas. Trocamos o dinheiro com cambistas próximo a uma das praças da cidade e entramos na brincadeira dos bolivianos. Compramos sprays e começamos o ataque. O inimigo não tinha sexo, idade ou tipo de fantasia. TODOS foram executados 🙂 Encontramos um casal de irmãos bolivianos que se juntaram a nós, os dois deviam ter menos de 10 anos, mas lutaram bravamente 🙂 Claudio me convocou para atacar um boliviano que havia atirado nele, corremos atrás do miserável e quase morremos em uma ladeira. Correr na altitude é uma coisa de louco! Mônica foi nossa correspondente de guerra, filmava e fotografava todas as peripécias. Com nossa munição no final, retraímos. Voltamos para o hostel. Após um banho para retirar a espuma do cabelo e ouvidos, deitamos. Não consegui dormir bem. Minha dor de cabeça eterna se mantinha.

Formação para a guerra

Começou

Retrai…

Organiza…

Uhuuuuu…

Ninguém foi perdoado!

Essa tava fugindo

* Esta é uma versão com cortes, toda imprecisão com os acontecimentos ocorridos durante nossa estadia na Bolívia foi necessária para proteger as pessoas envolvidas.

Mais algumas dicas:

A Carteira Internacional de Vacinação não é mais necessária para entrar na Bolívia. Hoje a vacina contra a febre amarela é apenas uma recomendação e não obrigatória.

Não beba água da torneira. Nem sempre é potável. Prefira SEMPRE água mineral.

Comer nas barracas da rua nem pensar. Avalie bem onde vai fazer as refeições e o que vai pedir. Os pratos típicos são bem gordurosos. Claudio pagou caro por isso.

Pechinche. Os bolivianos sempre cobram mais caro dos turistas. Tudo pode ser negociado. Até a passagem de ônibus de Santa Cruz para La Paz podia ter sido mais barata. João não pechinchou, soube disso depois.

Proteja bem os frascos com produtos de higiene, com a altitude eles incham e vazam. Assim você pode ter uma mochila totalmente lambrecada de xampu ou protetor solar.

Mais uma vez, confira muito bem os valores quando for trocar dólares. Os cambistas enganam, sim.

No primeiro dia na altitude, descanse, até porque é provável que você só vá querer fazer isso mesmo.

O melhor remédio para o mal da altitude é a folha de coca, pelo menos é o que dizem. O chá é facilmente encontrado, em sachês industrializados. Também é possível encontrar a folha, nesse caso deve ser mascada por quinze minutos e não deve ser engolida. É bem amarga. Não causa nenhum efeito alucinógeno, no máximo uma leve dormência na língua.

Leve seu remédio favorito contra dores de cabeça e enjôo, é bem provável que você precise.

Sempre que for pegar um táxi, combine previamente o preço, e pechinche 🙂

Sempre confira o troco.

Novamente, não opte pelo mais barato. Tudo já é muito em conta. Um hostel bom e um ônibus decente valem cada boliviano gasto. Economia desse tipo na Bolívia pode custar caro. Comer baratinho, então, pode ser preocupante.

Não é permitido transportar folhas de coca ou quaisquer produtos derivados para o Brasil. Não caia na tentação.

Para a escalada, basta uma corda de 60 m, uma dúzia de costuras, fitas e mosquetões avulsos. As vias em móvel de lá não compensam levar friends e nuts.

A graduação usada é a francesa. Mas que chega a ser bem parecida com a nossa, um 5+ ou 5c é parecido com nosso 5º grau, e os 6a e 6b equivalem ao nosso 6º.

15 Fev – Segunda-feira

Acordamos cedo, no que seria nosso primeiro dia de escalada. Depois de um café meia-boca no hostel – foi a única coisa contra, em todos os outros pontos o Wild Rover foi excelente –, pegamos um táxi para o Bairro Amor de Dios. O guia fala que o valor variaria entre 12 e 18 Bs, pagamos 20.

O Setor El Peñon fica ao lado de uma quadra de futebol, muito fácil de encontrar. As vias têm cerca de 12 m e a rocha é o conglomerado, como em todos os outros setores. Entramos na Acupuntura (5b), Caminito del Índio (4+), Brazo Gitano (6a) e Nave Vertical (6a). Enquanto eu escalava esta última, apareceu um boliviano ensandecido com uma barra de ferro na mão – deve ser tradição na Bolívia – gritando hijo disso, hijo daquilo, cabron e coisas do gênero. A criatura estava confundindo José, um escalador local, com um desafeto seu. José conversou com ele e o maníaco da barra de ferro foi embora. Encerramos as atividades no setor e fomos almoçar. Perguntamos por ali onde poderíamos fazer isso. Nos indicaram umas barracas, fomos parar em uma Chicharroneria.Chicharrones é um prato típico com milho cozido sem gosto, porco frito pingando gordura e uma espécie de toucinho. Uma verdadeira bomba para os mais sensíveis. Quando o prato chegou a careta de todos foi simultânea. Como faz um bom tempo que aboli a carne do meu cardápio, pedi para substituí-la por ovos e alguns legumes. Salvei-me.

Claudio, no El Peñon

Nave Vertical

Nesse dia eles escalaram

Até sem poder usar sapatilha

Dá corda aí, menina, vai…

Autógrafo

Essa menina tava danada

Hummmmm… Chicharrones, diliça!

O sol baixou um pouco, fomos para o Setor La Navaja, que fica do outro lado do rio. Lá fizemos a Paco de Lucia (5+) e a Leon Express (6b+). A tarde estava escapando quando chegamos ao Setor La Galleta. Lá fizemos El Ombligo de Merlim (6b). Descemos para a estrada, felizes com as primeiras escaladas da viagem, enquanto a noite começava a cobrir a cidade. Pegamos um táxi (15 Bs), sempre desviando das bexigas de água, ainda era carnaval. Por causa disso, com as ruas interditadas, descemos longe do hostel e caminhamos por meia hora, sentido o cheiro nauseante do pollo frito nas ruas. No caminho comprei folhas de coca (1 Bs), masquei e ofereci ao outros, na esperança de acabar com minha dor de cabeça eterna. Aqui no Brasil não lembro a última vez que senti dores de cabeça, em La Paz só fiquei livre desse tormento por um dia. Finalmente, chegamos ao hostel, depois de um banho merecido fomos jantar na Av. 16 de Julio (El Prado), em um restaurante 24 h. Caro para os padrões bolivianos, mas com uma boa comida. O sorvete tinha pedras de gelo, que o tornavam crocante, mas isso foi perdoado. Voltamos. Quase chegando na Calle Comercio, onde fica o Wild Rover, a chuva caiu, apressamos o passo, bufando e conseguimos escapar do dilúvio. Foi minha melhor noite de sono. Mônica e sua farmácia ambulante já haviam salvo João com uma pílula mágica para a má digestão do chicharrone. Dessa vez deixou embaixo do meu travesseiro um comprimido de Parcel. Foi o que me deixou dormir.

Esse é o problema de almoçar durante a escalada

Mônica na Paco de Lucia

El Ombligo de Merlim

Chiquitita brincando no conglomerado

E brincando de balanço

Pódexar que chamo o taxi, sou nativo

16 Fev – Terça-feira

Nosso último dia na Bolívia amanheceu lacrimoso. Tomamos café no hostel, fechamos a conta e pegamos um táxi (15 Bs) para a área de escalada. Enquanto nos aproximávamos, a chuva aumentava. Estacionamos. Estava tudo molhado. Claudio pensou em escalar, ele é bem teimoso, mas consegui convencê-lo para irmos à Calle de las Bruxas (Calle Linares) comprar alguns souvenires. Voltamos no mesmo táxi (+ 15 Bs) e chegando lá, ainda do táxi, já avistamos as barraquinhas com amuletos, fetos de lhamas pendurados e pachamamas para todos os males do corpo, alma e coração. Trocamos bolivianos por lembranças e fomos almoçar. Na Calle Linares fica o melhor restaurante que encontramos em La Paz. O Angelo Colonial está na altura do nº 922, possui uma decoração bastante interessante, com antiguidades e, o principal, uma ótima comida. Pedi uma sopa andina e um crepe de legumes, deliciosos. Há outra unidade na Mcal Santa Cruz, 1066. Recomendo.

A cura para toooodos seus males

Bolivianos

Aquilo amarelo é couro frito de algum bicho

Pode entrar sem medo

Decoração interessante

Gêmeas

O baile todo

A chuva parou, eram 14 h. Ainda dava tempo de escalar. Fomos. Pegamos um táxi, desembarcamos no Amor de Dios e subimos até o Setor Hoja Chica. Lá entramos em uma via sem nome (5c), com uma saidinha bem interessante e um final enganador. Foi a primeira via onde encontramos pedras soltas. Olhamos para o lado e partimos para a Hoja Grande. Claudio entrou na Alas (5+), fui atrás dele. As meninas não quiseram subir, e o tempo estava ficando curto, tínhamos que embarcar no vôo das 19h. A Alas é um via de 60 m dividida em duas, a primeira parte é um pouco atlética, em um conglomerado sólido. A segunda parte é uma rampa lisa, com regletes delicados. Pouco tempo depois chegamos ao cume. Rapelamos 20 m pelo lado esquerda da rocha e estávamos novamente na base da via. Arrumamos as mochilas e começamos a descer, quando entrei em uma trilha que levava onde as meninas estavam, Claudio duvidou que seria por ali. Apostou quem chegava primeiro – falei que ele é teimoso –, claro que aceitei o desafio. Logo depois ele chega, correndo, até onde eu estava. Pegamos mais um táxi (15 Bs) e fomos para o hostel – havíamos deixado as mochilas em um depósito lá, voltaríamos para tomar banho –. Encontramos dois brasileiros que estavam em Santa Cruz. Maikon e Camilo estão rodando pela América do Sul. Vocês podem acompanhá-los através do seu blog, Bons Ares. Ainda deu tempo de um banho. Arrumamos as bagagens, nos despedimos, comentamos sobre o ocorrido em Santa Cruz e partimos com uma frase do Camilo: “Paz, amor e uma barra de ferro para manter a paz e o amor.” 🙂

Claudio…

Na Hoja Chica

Mônica testando a elasticidade

Parece barro, mas é rocha

Agora é só passar o tetinho

Aqui quebrava

Hoja Grande

Óia o olho

Enfiada final da nossa última via

Adios…

Cartão postal noturno

Bernardo, Mônica, Márcia e eu fomos embora. João iria no dia seguinte e Claudio alguns dias depois. O táxi até o aeroporto em El Alto custou 45 Bs – não pague mais que 50 – e levou menos de meia hora. A minha dor de cabeça, que havia passado, voltou. El Alto não tem esse nome à toa, fica 500 m acima de La Paz.

Fizemos o check-in, pagamos 15 Bs de taxa de embarque e entramos na sala. O detector de metais encrencou comigo, fizeram um verdadeiro pente fino pelas minhas roupas e botas. O negócio tava tão absurdo que o detector manual apitou até com um chiclete que eu tinha no bolso. O vôo estava previsto para às 20h45, às 20h30 já havia decolado. Ô povo apressado. Menos de uma hora depois estávamos em Santa Cruz. Nosso avião para o Brasil decolaria às 3h40 🙁 Esperamos.

Bernardo encontrou um brasileiro cheio de histórias por ali. Disse que tinham tentado roubá-lo duas vezes, que um amigo foi preso e outras histórias escabrosas. Bernardo foi dormir e fiquei por ali conversando com as meninas. Aparece novamente o amigo com outro parceiro, pedindo alguns bolivianos para fazer um lanche, já que havia tentado sacar dinheiro nos caixas eletrônicos do aeroporto, mas em nenhum havia notas. Cada um se desfez de alguns bolivianos e o bom homem, com sua amiga, foram comer. Algum tempo depois, o dito cujo volta e pede 100 bolivianos! Queria pegar um táxi até o centro para tentar sacar. Daí pergunto: “Pra que você quer dinheiro? Não vai embarcar pra São Paulo daqui a pouco?” O pidão fica meio sem saber o que responder, inventa umas histórias que queria conhecer o centro de Santa Cruz – à meia-noite?! – e vai embora.

Comemos alguma coisa no fast-food boliviano e ficamos por ali conversando até quase 2h. Acordei Bernardo e fomos fazer o check-in. Após isso, ainda foi preciso pagar uma taxa de 25 dólares para o aeroporto. O que aqui no Brasil você paga quando vai comprar a passagem, lá é pago à parte. Entramos na fila da imigração e para uma revista minuciosa na bagagem e no corpo, principalmente das meninas. Segundo palavras delas, foi quase um adultério para as comprometidas. Finalmente, embarcamos para um vôo rápido e tranquilo. Sentei entre duas mulheres e uma delas não parava de conversar, entrei no ritmo 🙂 Só fui dormir faltando menos de duas horas para a aterrissagem. Em São Paulo me despedi de todos e peguei minha conexão, para desembarcar no meio do verão de um Rio de Janeiro de quarta-feira de cinzas. Mônica ficaria em sua cidade. Bernardo viria para o Rio em um vôo à tarde e Márcia preferiu dormir em seis horas de ônibus até Jacarepaguá. Cheguei em casa meio-dia, tomei um banho e dormi até as 8 h da noite.

Antes de viajar para a Bolívia fiquei bastante preocupado com a altitude. Sem contar as dores de cabeça e um pouco de cansaço, foi até tranquilo. O país tem vários problemas, assim como todos onde já fui – assim como o que moro –, mas na Bolívia tudo está ali, na nossa frente. É um lugar com uma beleza natural incrível e uma feiúra urbana que não passa despercebida. Conhecemos gente interessante e gente que nos enganou. Fizemos amizades com crianças e brincamos no carnaval de rua. Conhecemos o lado negro de estrangeiros e bolivianos que visitavam e estavam em La Paz para um tipo de diversão que não nos agradava. Vimos noites sem regras e orgulho por motivos errados. Conhecemos tradições estranhas para nós, mas foi aí que notamos o quanto o diferente atrai, o exótico aproxima e o que parece sem valor vale muito. Foi a viagem mais estranha que fiz até agora, mas que deixou muita saudade. Assim como as mulheres que gostam dos homens canalhas, me apaixonei por esse país de contrastes, com suas grandes montanhas olhando um povo que luta diariamente para sobreviver.

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